“Ninguém nunca foi lá”, diz secretária sobre escola a 9 dias de barco

Dirigente municipal de Tapauá, no Amazonas, reclama que falta combustível para equipe alcançar comunidades distantes

Cinthia Rodrigues, enviada a Mata de São João (BA)
Entre os mais de mil secretários municipais de Educação reunidos nesta semana em Mata de São João, na Bahia, para o 4º Fórum da União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime), Arlinda Marta de Almeida está entre os que demoraram mais tempo para chegar. Ela saiu de Tapauá, no Amazonas, na sexta-feira (26) e levou três dias de barco para percorrer os rios Purus, Solimões e Negro até Manaus. De lá, pegou um vôo até Salvador e com mais uma hora de carro chegou ao evento na manhã de terça-feira (30). Para ela, até que foi uma viagem rápida.
Tapauá é um dos maiores municípios do mundo com 89 mil km². A cidade de 22 mil habitantes tem seis escolas na ilha sede, 89 em comunidades ribeirinhas e 33 indígenas. “Em algumas escolas, leva 10 dias de barco para chegar”, conta a dirigente, que está no cargo desde fevereiro, mas faz parte da Secretaria Municipal há três anos, antes como coordenadora, e diz conhecer todo o histórico da pasta.
Na semana passada - a mesma em que saiu do município para o Fórum da Undime - ela havia voltado para casa após uma expedição de uma semana para fazer formação de professores na comunidade de Foz do Tapauá. Para chegar ao local, é necessário viajar durante dois dias e meio de barco sem descer da embarcação para dormir ou comer.
A secretária conta que, embora trabalhosas, as oficinas de formação são o principal objetivo de sua gestão, porque os docentes das comunidades completaram apenas o ensino médio. “Era para fazer isso a cada 40 dias, mas por falta de combustível a gente só consegue a cada três meses”, lamenta.
Assim como outras cidades da região, Tapauá tem uma lancha comprada pelo governo federal, mas ela é pouco usada porque demanda muito combustível. “A gente só pega a lancha para andar perto da sede, mesmo assim pouco. Com o diesel que ela gasta, um barco vai muito mais longe”, explica. 
Mesmo adotando os barcos mais econômicos, a equipe ainda tem trabalho cancelado por falta de recurso. Segundo Arlinda, a excursão que foi até Foz do Tapauá há poucos dias tinha a intenção de prosseguir viagem e visitar “pela primeira vez” a comunidade de Rio Branco, onde estariam reunidos professores de outras escolas da região. Todas desconhecidas da Secretaria de Educação. “Ninguém nunca foi lá”, garante a secretária.
Sabe-se da existência das escolas, a nove dias de barco desde a sede do município, por relatos de moradores e até visitas dos próprios docentes à secretaria. “Muitos já vieram fazer treinamento, mas a gente nunca viu como são estas escolas”, insiste, acrescentando que muitas unidades não têm sequer prédio e são improvisadas nas casas dos professores ou de algum pai interessado em que os filhos aprendam.
De acordo com Arlinda, o combinado era que a Prefeitura forneceria combustível para reabastecer o barco durante a parada em Foz do Itapuá, mas o diesel, assim como os lanches para o grupo de oito pessoas, não chegaram. Ao contar a história, Arlinda lembra do discurso que o ministro da Educação, Fernando Haddad, fez um dia antes no mesmo fórum em que está. “Quando ele falou que o governo federal tem parceria com os municípios, eu pensei: não é suficiente, os secretários de Educação é que tinham de gerir os recursos da área na sua cidade.”

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