O Protagonismo Juvenil e os Grandes Educadores

Nos dias de hoje falamos muito em voluntariado e protagonismo juvenil mas, na verdade, estes termos indicam para ações que não são novas. Desde que o “mundo é mundo” o homem, seu digno habitante, já possuía a capacidade de se comover e indignar com as adversidades sofridas pelos seus semelhantes, lançando-se em seu auxílio. E, no exercício desse empreendedorismo, que o move às ações voluntárias, ele foi protagonista de ações.

Em sendo estas atitudes positivas em prol da harmonia e da prosperidade de uma sociedade igualitária, elas acabam sendo perseguidas na formação de crianças e jovens, nos quais, em todas as épocas, se depositou as esperanças de um futuro melhor.

Assim, no decorrer da história foram muitos os educadores que se preocuparam em estruturar uma metodologia capaz de formar indivíduos autônomos, pesquisadores, pensadores e críticos, criativos e capazes de atuar ativa e construtivamente na sociedade em que está inserido e, ao mesmo tempo, ter a grande ventura de ser feliz.

O protagonismo juvenil como uma forma de colocar o jovem no centro da ação, assumindo o seu planejamento, implementação e riscos, e o voluntariado educativo em prol de uma participação ativa e transformadora na sociedade, pressupõe a existência de três elementos básicos que irão permitir, facilitar, ou mesmo, potencializar estes comportamentos, são eles:

Liderança
Resiliência
Valores

Da liderança surge a capacidade de analisar o entorno, encontrar oportunidades e soluções e chamar para si as responsabilidades de realizá-las, de mobilizar pessoas, motivá-las , dirigí-las e orientá-las na consecução de um fim comum.

Sendo a resiliência a capacidade de se fortalecer através do convívio com as adversidades é condição desejável para o convívio com uma sociedade intrincada, onde há o entrelaçamento de inúmeras redes de interesses e necessidades, grandes diversidades e desafios.

E, finalmente, nenhuma dessas ações poderão se dirigir legitimamente à produção do bem comum se não estiverem calcadas firmemente em valores sociais e éticos. É absolutamente imprescindível ter uma escala de valores próprios, escolhidos e erigidos por cada um, aceitos livremente, para nortear cada uma de suas ações na direção da realização individual e coletiva.

Estas qualidades são frutos de atitudes, habilidades e conhecimentos e de forma alguma poderão ser novas, pois são inerentes ao próprio ser. São muitos os educadores que se preocuparam em ir além da aquisição de conhecimentos, preocupando-se em ensinar seus alunos a viver. Este trabalho pretende entrelaçar idéias antigas e modernas de grandes educadores que tiveram como eixo comum o objetivo de formar homens e mulheres que, atualmente, chamamos de protagonistas sociais.

Estas capacidades necessárias para a adoção de uma participação empreendora e construtiva, somente poderão se desenvolver através de uma metodologia educacional que privilegia a autonomia do educando. Em um ambiente educacional onde o jovem desenvolve-se com autonomia aumentam as oportunidades para ele se conhecer, entender e assumir as suas potencialidades e limitações e desenvolver confiança em suas possibilidades de realizações.

1 – Autonomia como premissa básica para o desenvolvimento do protagonismo juvenil

A autonomia do aprender e do construir o seu próprio conhecimento parece ser uma premissa incontestável na direção do protagonismo juvenil.

Dar autonomia ao educando tem sido um a grande batalha travada à séculos por famosos educadores.

E o que vem a ser esta autonomia?

Rousseau inaugurou um novo marco na educação, buscou resgatar a identidade da criança e do jovem de uma sociedade manipuladora marcado pela repressão dos monarcas e pelo despotismo do clero.  Sua teoria pretende provar que “tudo o que é bom é o que sai das mãos do Criador da natureza e tudo degenera nas mãos do homem”.

Rousseau criou o Emílio, personagem fictício, cujos relatos de como foi educado compõem a sua obra pedagógica: Emilio ou Da Educação.  A solução encontrada por Rousseau foi de isolar “o seu aluno” de uma sociedade que ele julgava corrompida para que assim fosse possível, desenvolvê-lo livre da interferência do adulto, fazendo as suas próprias experiências e tirando conclusões, fortalecendo a sua capacidade de realizar com o conseqüente incremento de sua auto-estima.

Isolar Emílio da Sociedade é uma das contradições de Rousseau, pois esta educação livre e solitária visa possibilitar a vida em sociedade.

Leitores vulgares, perdoem meus paradoxos; é preciso comete-los quando se reflete, e, apesar do que vocês possam dizer, prefiro ser homem de paradoxos a ser homem de preconceitos, Emílio, p. 82.

É irresistível fazer uma comparação com Raul Seixas na letra da música “Metamorfose Ambulante“ uma vez que demonstra que a luta pelas suas convicções e a busca de justificativas para o significado da vida é inerente à natureza do ser, desconhecendo época.

Eu prefiro ser, esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Estas duas citações de autores tão diferenciados culturalmente evidenciam que a rebeldia é mais do que uma atitude irreverente, é um grito para fazer valer a autonomia de pensar e agir na busca das verdades de cada um.

Assim, a rebeldia  tão apregoada aos jovens pode, analogicamente, ser vista como algo natural e necessário ao seu desenvolvimento, que não pode ser suplantada, mas sim alimentada e orientada, reconhecendo a autonomia de pensar e agir de cada um.

Em outras palavras o que Rousseau procura negar é uma educação vinda de “fora para dentro”,
ou da sociedade, os adultos ou o professor exercendo influências para modificar o aluno, mas, ao contrário, uma educação vinda de “dentro para fora”, procedida pelo próprio educando, fruto de suas experiências.

A influência de Rousseau ocorre na teoria e na prática de pré-escolas, escolas de ensino fundametal, médio e superior propondo uma educação do interesse natural em oposição ao esforço artificial, o conhecimento como desenvolvimento interno e não como um acréscimo externo; a educação pelo trabalho e ação, em vez de por passividade e imobilismo. De Emilio a Emilia, pg. 29.

Rousseau dois séculos antes forneceu as determinantes do conhecimento, que seriam descritos por Piaget, ao propor uma metodologia calcada na observação, comparação e exploração de objetos e na interação com o meio ambiente, estratégias utilizadas na educação do personagem-título de Emilio. De Emilio a Emilia, pg. 32.
Duzentos anos depois  Paulo Freire aparece com a sua Teoria Libertadora, preconizada no livro A Pedagogia da Autonomia. Nela educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a História é um tempo de possibilidades.
Segundo Freire, "o educador que 'castra' a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica". A autonomia, a dignidade e a identidade do educando tem de ser respeitada, caso contrário, o ensino tornar-se-á "inautêntico, palavreado vazio e inoperante".
A sua pedagogia é "fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando”.

A pedagogia de Freire é uma barreira de força em volta do educando para que ele não seja massacrado pelas diferenças sociais e pela opressão dos adultos. Para que possa fortalecer o seu espírito empreendedor, sua auto estima em busca da autonomia para viver livre e seguro na sociedade.

A autonomia do aprender também foi defendida por John Dewey. Esta autonomia pode ser melhor expressa pela negativa: a não dependência de agentes externos no processo de ensino-aprendizagem. Nesta situação a criança vivenciará situações que permitam que ela tire conclusões e aprenda com elas.

Longe de excluir o educador deste processo trata-se somente de atribuir-lhe outro papel bem mais lógico e condizente com seu objetivo principal: o papel de ser um administrador dos alunos, de suas potencialidades, seus ritmos, seus interesses, suas diversidades e as diversas fontes de aprendizagem.

Qual a razão por que, apesar de geralmente condenado, o método de ensino de verter conhecimentos – o mestre – e absorvê-los passivamente – o aluno – ainda persiste tão arraigadamente na prática? Que a educação não consiste unicamente em “falar” e “ouvir”, e sim um processo ativo, construtor, é princípio quase tão violado na prática, como admitido na teoria. DEWEY, 1936, p. 62.

Existem diversas teorias educacionais que convergem para um ponto comum: a aprendizagem se constrói através de um processo interno do aluno, fruto de suas próprias pesquisas e experimentações, onde o educador atua como um orientador, um maestro das interações aluno-aluno e aluno-objeto de ensino.

2 - Desenvolvendo o protagonismo juvenil e o voluntariado educativo

Como já vimos anteriormente existem elementos anteriores a serem trabalhados a fim de podermos formar aquele jovem autônomo, participativo, crítico e construtivo, que tenha uma papel protagonista e voluntário na sociedade que está inserido.

Estes elementos são: a liderança, a resiliência e a adoção de uma atitude baseada em uma escala de valores. Vejamos cada um deles mais detidamente entrelaçando o pensamentos de importantes educadores que direta ou indiretamente se ocuparam do assunto.

2.a – Liderança

Podemos questionar a expressão muito usada de “liderança nata”. Sem dúvida que não podemos ignorar o fato de algumas pessoas terem habilidades de entender, planejar e facilitar um grupo de pessoas atenderem a um objetivo.Mas no momento em que se evidencia este caráter nato fica a impressão de que a liderança não pode ser desenvolvida e que aqueles que não apresentam atitudes de comando é porque não possuem a habilidade de liderança.

Isso não é verdade. É perfeitamente possível desenvolver estas habilidades como também elas poderão estar latentes em determinados jovens, não se expressando porque algumas necessidades básicas anteriores não foram satisfeitas.

Assim podemos dizer que é necessário que o jovem assuma um determinado nível de desenvolvimento para poder, após isso, fazer aflorar ou buscar desenvolver habilidades de liderança.

A liderança pressupõe um fator interno e outro externo . O interno é uma estrutura emocional firme e sadia e o externo se manifesta através de ações na comunidade.

2.a.1 – Composto interno necessário para o desenvolvimento da liderança

O elemento interno é aquele que se processa no interior do indivíduo, através da sua observação, análise e reflexão das ações e reações que tem através das interações, desafios e realizações com seu grupo social.

A estrutura emocional equilibrada, otimista e forte é condição para que um indivíduo tenha atitudes motivadoras e mobilizadoras, uma postura agregadora e construtiva.  Essas atitudes são capazes de provocar  transformações no grupo e no entorno no qual ele está inserido.

Dois fatores são importantes para conduzir ao fortalecimento e estabilidade emocional, são eles: auto conhecimento e autoconfiança.

2.a.1.a.– Auto conhecimento

O esquema social fruto da globalização e da alta tecnologia gera um acelerado aumento de oportunidades e o surgimento de um grande número de novas profissões, onde novas habilidades são absorvidas.Assim, nesses tempos a propensão à música ou a criatividade pode ter tanto valor quanto à habilidade para a matemática ou a oratória, por exemplo.

Esta multiplicidade de necessidades e habilidades se coordenam com uma visão de uma inteligência multifacetada, defendida principalmente por Howard Gardner:

Mas existe uma visão alternativa que eu gostaria de apresentar - baseada numa visão da mente radicalmente diferente, que produz um tipo de escola muito diferente. É uma visão pluralista da mente, reconhecendo muitas facetas diferentes e separadas da cognição, reconhecendo que as pessoas tem forças cógnitas diferenciadas e estilos cognitivos constantes. Eu também gostaria de introduzir um conceito de uma escola centrada no indivíduo que considera seriamente esta visão multifacetada da inteligência .

Gadner localiza sete inteligências: lingüística (capacidade verbal), lógico - matemática (capacidade matemática), especial (capacidade de formar modelos mentais), musical, corporal - cenestésica (capacidade de resolver problemas usando todas as partes do corpo), interpessoal (capacidade de compreender os outras pessoas) e intrapessoal (capacidade de entender a si mesmo e de operar de acordo com seu entendimento).

Esta visão leva a olhar para cada pessoa buscando suas amplas possibilidades e também impõe a cada um uma profunda investigação sobre seu potencial e sobre suas limitações.

Quanto às limitações, elas não podem ser consideradas obstáculos que podem rotular ou coibir o desenvolvimento em uma determinada área por toda a vida. Elas também precisam ser trabalhadas para serem conhecidas e encaradas na sua real dimensão. Muitas vezes elas podem ser superadas, minimizadas ou substituídos por outras formas de resolução dos desafios.

As pessoas não são  iguais e cada um tem a sua composição com proporções daquilo que tem habilidade e daquilo que não tem habilidade para fazer, não existem composições melhores do que outras, existem apenas composições diferentes que, se bem trabalhadas, podem trazer excelentes resultados, cada qual em sua área.

Em uma equipe é importante conhecer as habilidades e dificuldades de cada um, o grupo que é integrado precisa combinar estes elementos de forma a aproveitar sempre o melhor de cada um em proveito do grupo.

O relatório da Unesco da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, conhecido como Jacques Delors, defende oferta ampla de atividades práticas que propiciem a autodescoberta:

O século XXI necessita dessa divisibilidade de talentos e de personalidades, mais ainda de pessoas excepcionais, igualmente essenciais em qualquer civilização . Convém, pois oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e de experimentação estética, desportiva, científica, cultural e social - que, venham complementar a apresentação atraente daquilo que nesses domínios, foram capazes de criar as gerações que ao percebiam ou suas contemporâneas. Na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar um lugar mais importante de que aquele que lhes é concebido, em muitos países, por um ensino. Tornando mais xxxx do que cultural. A preocupação em desenvolver a imaginação e a criatividade deveria, também revalorizar a cultura oral e os conhecimentos retirado das experiências da criança e do adulto Pg. 100

2.a.1.b. – Autoconfiança

No panorama traçado no tópico anterior o educador precisa conhecer e valorizar as habilidades dos jovens com o qual trabalha, criando oportunidades para que ele possa desenvolvê-las, potencializá-las e harmonizá-las com o seu projeto de vida.

É um administrador, procurando distinguir as características de cada educando e desenvolvendo-as para, como um maestro, harmonizar cada um  de “seus instrumentos” de forma que a música apresentada seja bela  aproveitando os melhores acordes de cada um.

As atividades práticas, diversificadas e motivadoras requisitam um leque variado de habilidades fazendo com que cada um venha a se conhecer melhor e se sentir desafiado a desempenhar melhor. Atender bem a um desafio seja ele artístico, físico ou intelectual irá trabalhar com a sua autoconfiança, que irá se estender à crença de conseguir vencer desafios mais audaciosos.


2.a.2 – Composto externo para o desenvolvimento de uma atitude de liderança

Atitudes transformadoras no entorno social são fruto do desenvolvimento do:

Senso crítico
Empreendedorismo (decisão e planejamento)
Comunicação e mobilização
Atitude cooperativa

2.a.2.a - Senso crítico
Com boas razões o senso crítico figura como objetivo genérico dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pois, cada vez é mais crescente a dificuldade que crianças e jovens têm de emitirem as suas opiniões. Um clima massificante, insuflado por modismo, tolhe e até mesmo, envergonha-os de ter idéias próprias.

Paulo Freire afirma que ensinar exige criticidade No livro “Pedagogia da Autonomia” ele afirma que a criticidade é a superação da curiosidade.

Na verdade, a curiosidade ingênua que ,“ desarmada”, está associada  ao saber do senso comum, e a mesma  curiosidade  que, criticizando-se aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente  rigorosa do objeto  cognoscível , se torna curiosidade epistemológica . Pedagogia da Autonomia,
Há portanto que se incentivar a curiosidade ingênua, para que ela motive o indivíduo a buscar experiências, testemunhos e outras possibilidades de realizações, que uma vez organizadas, poderão ser criticadas. A troca de opiniões aumentará o conjunto de referências e de massa crítica, refinando o senso crítico individual e do grupo. Passa-se assim da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica.

Como manifestação presente  à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída  e reconstruída. Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas das práticas educativo-progressitas é exatamente o desenvolvimento da curiosidade  crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade  com que podemos nos defender de “ irracionalismo” decorrentes do ou  produzidos por certo excesso de “racionalidade” de nosso tempo altamente  tecnologizado .  E não vai nesta consideração  nenhuma arrancada falsamente  humanista de negação da tecnologia  e da ciência . Pelo contrário é consideração  de quem, de um lado, não diviniza a tecnologia, mas de outro, não a diabólica . De quem a olha ou mesmo a espreita de forma criticamente curiosa .

Dentre muitas definições poderíamos dizer que empreendedorismo é a capacidade de tomar iniciativa, buscar soluções e agir no sentido de implementá-las. Esta idéia envolve basicamente ação.

Falando-se em educação, para propiciar uma situação que desenvolva o empreendedorismo a ação parece ser uma premissa básica. Assim, poderíamos novamente afirmar a necessidade de uma educação ativa, pois a situação não passiva, de não ficar apenas sentado escutando implica necessariamente em ação.

Por ação podemos entender muita coisa: construir, descobrir, pesquisar, avaliar, comparar, ousar, testar, aventurar e, cada uma dessas ações, ou um conjunto delas, para serem desencadeadas devem estar contidas em atividades práticas, motivadoras, desafiantes e adequadas à faixa etária.

Estas atividades práticas devem exigir desafios que permitam aos jovens vivenciarem situações de tomada de decisões, convivência com acertos e erros seus e dos demais, necessidade de fazer avaliações e ajustes, capacidade de argumentação.

Estas experiências vividas pelos jovem são a matéria prima para o educador instigar os educandos a fazerem indagações, deduções, vislumbrarem outras possibilidades, enfim ampliarem a sua visão de si mesmo, de um determinado assunto e da sociedade.

O estímulo à indagação, pesquisa, troca de experiências e deduções são os principais elementos de um processo de aprendizagem centrado no educando, e que, vendo de outra forma, facilitam o surgimento do empreendedorismo.

Eu acredito que a verdadeira educação vem somente através da estimulação das potencialidades da criança pela demandas das situações sociais que elas mesmas se encontram.

Através dessas demandas ela é estimulada a atuar como membro de uma unidade para emergir de sua original inépcia para a ação e o sentimento, e para conceber por si mesma o seu ponto de vista sobre o bem estar do grupo a que pertence.. DEWEY, MEU CREDO PEDAGÓGICO.


É no manuseio destes estímulos que o papel de gerência do educador se justifica, explica e adquire sua importante e real dimensão.

Compete ao meio escolar contrabalançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista dar a cada indivíduo a oportunidade para fugir as limitações do grupo social em que nasceu, entrando em contato com um ambiente mais amplo. DEWEY, 1936, p. 42.

2.a.2.c - Habilidade de expressão
A habilidade de expressão seja ela através da linguagem, do corpo ou da produção  artística, é altamente desejável. Parece óbvio que para que ela desponte é necessário um clima de camaradagem e também de motivação. E isto pode ser fornecido através de atividades práticas, jogos e dramatizações, que desafiam, que envolvem em uma trama apropriada à sua idade. Os bloqueios são mais facilmente rompidos e existe uma “boa razão” para se manifestar.

A expressão de um pensamento pode se dar de muitas formas, além da palavra e da escrita, um gesto, uma expressão do rosto são suscetíveis, em certas circunstâncias de dizer mais do que um discurso. Freinet, A educação do trabalho, p.392.

Há ainda o desenho, a escultura, a música, o canto, o teatro e tantas outras.

A expressão, a comunicação artística – que se torna comunhão – é como um arrebatamento sutil do instinto, como o canto do pássaro e a vibração das asas do inseto. Pode-se perturbá-la, anulá-la pouco a pouco ou, ao contrário, permitir-lhe realizar-se plenamente. Mas a educação não poderia suscitá-la nem criá-la, nem, portanto, ensiná-la. É como um instrumento maravilhoso que temos à nossa disposição, que existe antes da intervenção dos adultos, antes da onipotência da escola. Podem persuadir-nos de que ele é inútil, ou perigoso, ou perverso e fazer com que lentamente nos desabituemos dele, a tal ponto que as vezes já não temos seu sentido; ou, ao contrário, recorrer às virtudes de sua potência e dela extrair o máximo para a formação e o desenvolvimento da personalidade. Freinet, A educação do trabalho, p. 393

Vivemos em uma época assolada em progressão geométrica pelas inovações tecnológicas da informação e da comunicação. Testemunhamos, certamente ao surgimento de uma nova era, que causa uma verdadeira revolução na sociedade, refletindo, obviamente, nas relações sociais, no trabalho e na educação. 

Em relação a isso são as seguintes as recomendações do relatório Jacques Dellors, sobre a educação para o século XXI:

Já não basta que os professores ensinem os alunos a aprender, têm também de os ensinar a buscar e a relacionar entre si as informações, revelando espírito  crítico. Tendo em conta a quantidade enorme  de informações que circulam atualmente  nas redes de informação, ser capaz de se orientar no meio dos dobres tornou-se um pré-requisito  do próprio saber, e necessita daquilo que alguns já chamam de “nova alfabetização”. Esta “alfabetização informática” é cada vez mais necessária para se chegar a uma verdadeira compreensão do real. Ela constitui, assim, uma via privilegiada de acesso à autonomia, levando cada um a comportar-se em sociedade  como um indivíduo  livre e esclarecido.

2.a.2.d - Atitude cooperativa

Nos dias de hoje fala-se muito em cooperação, parece que vivemos dias em que a competição cede lugar à cooperação. E assistimos desde a cooperação em níveis de grandes nações, grandes núcleos econômicos, empresas e outras organizações.

Fala-se muito em parcerias e como podemos entendê-las? Como a união de esforços na busca de objetivos comuns. Nesta união aparece a co-operação, ou seja, duas ou mais pessoas operam conjuntamente na mesma direção. Operar conjuntamente não significa que as duas pessoas vão fazer a mesma coisa, há uma tendência natural de cada um escolher aquilo que faz melhor, tem mais habilidade. Desta forma cada um tem chance de contribuir com suas melhores qualidades e ver diminuído os fracassos por não ter capacidade de realizar certas tarefas.

Um grupo que balanceia as potencialidades de uns com as limitações de outro tem mais chances de alcançar o sucesso.

Dewey, partidário da educação pela ação, discorre em seu livro “Vida e Educação” que o indivíduo aprende não só pelos resultados individuais de sua ação, mas também com a forma que suas aptidões combinam com àquelas do grupo todo e através da análise dos resultados das ações que são provenientes do grupo.

Nas situações sociais, o jovem põe o seu modo de proceder em relação com os dos outros, adaptando-o ao mesmo. Isto lhe orienta a ação para um resultado comum e dá uma compreensão comum da atividade aos seus co-participantes.

Os livros e a conversação podem fazer muito, mas o mal é contarmos excessivamente com estes fatores. Para uma plena eficiência, as escolas precisam de mais oportunidades para atividades em conjunto, nas quais os educandos tomam parte, a fim de compreenderem o sentido social de suas próprias aptidões e dos materiais e recursos utilizados. DEWEY, 1936, p. 64.

Esta cooperação pode ser vista como uma dependência de cada elemento do grupo aos demais elementos. Por exemplo: um dos elementos do grupo poderá ser criativo, mas depende de outro elemento do grupo para implementar suas idéias. Por este ponto de vista poderíamos dizer que as pessoas deste grupo dependem uma das outras. Porém, segundo Dewey, esta dependência não pode ser vista como uma fraqueza, mas como uma potencialidade que o grupo possui, para Dewey, sob o ponto de vista social a interdependência é positiva.

Sob o ponto de vista social, a dependência denota, portanto, mais potencialidade do que uma fraqueza; ela subentende interdependência. DEWEY, 1936, p. 68.

As atitudes práticas, como projetos, dinâmicas de grupo, representações e jogos são um excelente instrumento para a vivência em grupo, por meio deles o jovem aprende a exercitar a liderança, a compartilhar e saber ser liderado. Para que estas habilidades possam surgir de forma espontânea e proveitosa é necessário que o educador saiba como balanceá-las, fazendo com que os próprios jovens participem de atividades que, de forma muito simples, estabeleçam representações, regras, um sistema de controle e de ajustes.

Os jogos infantis constituem admiráveis instituições sociais. O jogo de bolinhas entre os meninos comporta, por exemplo, um sistema muito complexo de regras, isto é, todo um código e toda uma jurisprudência. PIAGET, 1994, p. 23. 

2.a.3 – O ambiente educacional como um modelo da sociedade

Dewey foi o principal defensor da escola ser um exemplo da vida em sociedade, para ele o ideal é que o ambiente educacional proporcione um convívio propício ao crescimento individual e coletivo,  tendo oportunidades de errar, formar convicções, executar sua liderança e intrincadas relações da vida em grupo. Uma forma do jovem ter uma vivência efetiva de como são as relações em uma comunidade, aprendendo desde cedo a ver cada situação pelo ponto de vista da coletividade, elaborando opiniões e desenvolvendo responsabilidade por elas.

Isto se pode conseguir através de:

Manutenção de um clima agradável e de confiança mútua

O medo não pode ser nunca uma ferramenta  para obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Forma pessoas inseguras, passivas, improdutivas ou pelo contrário rebeldes e com comportamento inesperados e contraditórios.

A camaradagem permite que as pessoas sejam elas mesmas, mostrem-se como são  na realidade, e no momento em que entendemos melhor o próximo, sabemos melhor como tratá-lo, melhoram as relações.

Valorizar a opinião de todos e dar oportunidades para que elas possam ser expressas.

Todos têm opiniões sobre como a comunidade em que estão inseridos deveria ser gerida, estas opiniões diferem tanto na qualidade como quanto ao sucesso de sua aplicabilidade. Mas de qualquer forma as pessoas esperam ou gostariam de exprimir estas opiniões e que, pelo menos, se aventasse a hipótese de esta ser colocada em prática. Quando isto não acontece elas se sentem frustradas e com uma tendência a se insurgirem às regras estabelecidas sem a sua participação.

Ter um esquema de representação

Para poder aplicar o item anterior é necessário ter um sistema de representação . Esta massa de opiniões necessita de uma organização para ser manuseada e isto consegue-se através de um sistema de representações.

Para que isso seja possível é necessário formar pequenas equipes, cada uma delas com um representante que, por sua vez, se reunirá com os demais representantes.

Desta maneira tende-se a escolher as idéias que melhor atendam aos interesse do grupo sem deixar de se apreciar qualquer uma delas.

Em um processo organizado de tomada de decisão, onde todos são ouvidos e o debate é franco e aberto, há um maior envolvimento e um comprometimento de todos com o resultado.

Para que a responsabilidade com os resultados seja exercida plenamente é necessário que o grupo que teve poderes para tomar decisões também o tenha para fazer avaliação
 e, se necessário, a reformulação de suas decisões.

Certamente dessa forma o aluno terá uma vivência efetiva de como são as relações em uma comunidade, aprendendo desde cedo a ver cada situação pelo ponto de vista da coletividade, elaborando opiniões e desenvolvendo responsabilidades por elas. Estes ensinamentos serão de grande valia na sua atuação na sociedade.

2b – Resiliência
(E se falássemos quem foi a primeira pessoa que usou este termo com esse fim?)

A resiliência  é um conceito novo nas ciências sociais e humanas, inspirado em um termo utilizado na física que se refere à capacidade dos metais de resistir a impactos recuperando rapidamente a resistência dos corpos à ruptura. É um conceito que relaciona tensão, resistência, mas também, de armazenamento de energias.

Em ciências humanas este conceito representa a capacidade de um indivíduo, mesmo num ambiente desfavorável, construir-se positivamente frente às adversidades. Analogicamente à física ele envolve conceitos de tensão, resistência e armazenamento de experiências, mas vai além, o seu sujeito, neste caso a pessoa, não somente recupera a sua antiga forma, como fica melhor, mais forte e seguro.

Como enfrentar as adversidades? Como prevê-las? Como minimizá-las? Existirá um “país das Maravilhas” onde tudo é perfeito e previsível? É claro que não, e por mais que procuremos formas de prever adversidades e diminuir riscos, seja através das ciências ou das estatísticas, a infinidade de combinações possíveis entre os fenômenos naturais e sociais sempre poderão nos surpreender.  E por mais que no preparemos, sempre haverá momentos que nos requisitem novos conhecimentos e habilidades.

É inegável que a complexidade da sociedade segue em progressão geométrica, fundada no formidável avanço tecnológico, na instantaneidade das comunicações e nos fenômenos da globalização.

Perante este dois fatores, a imprevisibilidade das adversidades e a complexidade da vida atual, não basta estar preparado, é preciso desenvolver a capacidade de não se deixar abater pelas circunstâncias inesperadas e incontroláveis. Desenvolver um permanente estado de alerta, forte o suficiente para manter-se no controle da situação, reagindo positiva e criativamente e, ainda, discernindo nesta experiência o que pode ser adquirido.

Se as adversidades não podem ser previstas ou evitadas, precisamos aprender a ganhar com elas. E mais do que aprender, alguns de nós precisam ensinar...

Desenvolver a resiliência não é prevenir riscos e adversidades e sim buscar maneiras de conviver, e se fortalecer, com eles.

2.b.1 – Da passividade à visão do homem como agente ativo na construção de sua cultura.

Houve  um tempo, que ainda não está muito longe, em que o homem tinha a consciência  de uma estabilidade que não deixava de ter grandeza. A evolução social se media de século para século  e não era sensível de geração para geração. Podia-se então trabalhar com a calma e segurança do homem que constrói um muro e sabe que ele não vai desmoronar. Sente então por sua obra um orgulho que lhe vem do sentimento de perenidade exacerbado por sua sede doentia de imortalidade. Infelizmente, hoje, os muros desmoronam  antes mesmo de estarem prontos; os jovens morrem antes que os velhos expirem, e assistimos ao longo de nossa vida, a mudanças que revolucionam a face da  terra . A moda e a relatividade. Nossa própria educação deve estar  um pouco impregnada dela. FREINET. A educação pelo trabalho, p. 174

Adversidades sempre existiram, porém, podemos dizer que a forma de as enfrentar sofreu modificações de acordo com a intensificação da complexidade da trama social e do entendimento do homem em relação à vida e o que pode esperar do futuro.

Nos primórdios o homem atribuiu o futuro a causas incompreensíveis, geralmente divinas e mitológicas, onde o máximo de interferência possível eram sacrifícios em rituais. Perante um futuro inexorável, o único papel que o homem poderia assumir era o conformismo.

Mas o curso da história não tardou a mostrar ao homem o seu papel transformador, capaz de gerar resultados previsíveis de acordo com a forma de lidar com os fatos e mostrando que o não conformismo e a não passividade poderiam se misturar ao imprevisto e ao inesperado. O homem percebe-se como construtor de sua própria cultura.

2.b.2 - Do conformismo ao enfrentamento – A educação que fortalece.

Palavras como estas foram um sem número de vêzes ditas nos tempos que antecederam o pesadelo das últimas transformações sociais do mundo. Cumpre-nos voltar a pronunciá-las e ouvir-lhes o apêlo. O mêdo é uma paixão contagiante. Só começa a desaparecer, quando alguém se ergue para dizer que não o tem. O mêdo do nosso tempo provém da teoria da mudança social pela fôrça. Se passarmos a pensar em realizá-la pela inteligência, se perdermos a idéia sinistra de que o homem é um ser condicionado, a ser manipulado por "slogans" mais ou menos irracionais, sem capacidade de resistência nem de razão e mantido em ordem pela conformidade mental e adaptação mecânica; se robustecermos a confiança na inteligência e no indivíduo, se o estimularmos a pensar e refletir e não a se conformar, se lhe dissermos que a organização é inevitável, mas sua resistência à organização é imprescindível e que sua vida há de ser sempre não a aquiescência mas a luta entre o sonho racional (ou seja a utopia) e a realidade, aquêle sempre mais e mais próximo, mas nunca atingido, então, sim, teremos restaurado as condições para progredir sem complacência, sonhar com eficácia e esperar com lucidez...[1][1]TEIXEIRA, A.

A reação natural ao conformismo é a revolta que, por sua vez, dá lugar ao enfrentamento.

Para assumir uma atitude de enfrentamento o homem necessita de muita coragem, que por sua vez, surge do auto-conhecimento e da auto estima, da autonomia, capacidade de tomar iniciativa, competências sociais e de liderança, como capacidade de mobilização e de comunicação, planejamento e tomada de decisão.

A educação precisa então formar um homem, e uma mulher, fortes e capazes de interagir com o seu meio.

A história mostrou por diversos momentos e em diversos povos a luta do homem pelos ideais de liberdade e equidade. A história contemporânea do mundo ocidental registra um fortalecimento do homem do povo, marcado pela busca de um sistema de governo democrático e participativo.

Os pensadores da educação desse período denotam esta tendência para uma educação que fortaleça o educando, que o faça sair de uma situação de opressão para assumir uma participação ativa e igualitária na sociedade. Neste panorama podemos dizer que é uma negativa ao conformismo e um incentivo a uma atitude de enfrentamento.

Para o filósofo da educação e da democracia, John Dewey (1859-1952), o processo educativo busca o pleno desenvolvimento das capacidades individuais para a consecução de objetivos sociais da democracia, que para ele é mais do que uma forma de governo, é um modo de vida. A educação fortalece e fundamenta-se na fé das capacidades dos homens e mulheres para construírem o seu destino comum, aumentando e alargando, de forma progressiva, as oportunidades para realização da liberdade.

Anísio Teixeira comentando as bases da teoria lógica de Dewey, em um artigo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos destaca o seguinte texto que reforça a ação fortalecedora do conhecimento.

Ouço, digamos, um ruído estranho, ou significativo, ou inesperado. Algo sucedeu e o meu mundo se perturbou. Procuro ver o que é. Observo, indago, investigo, apuro e verifico. Sei, então, o que se deu. Restabelece-se o equilíbrio e prossigo em minha atividade. Conhecer, saber é, assim, uma operação, uma ação que transforma o mundo e lhe restaura o equilíbrio. Estou agora seguro, sei, voltei à tranqüilidade e posso dar livre curso à vida. A situação indeterminada tornou-se determinada, ficou sob controle, em virtude do conhecimento que adquiri. Saber, assim, não é aprender noções já sabidas, não é familiarizar-se com a bagagem anterior de informações e conhecimentos; mas, descobri-las de novo, operando como se fôssemos seus descobridores originais.[2][2]

Makarenko (1888 - 1939), pedagogo soviético, foi um dos intelectuais comprometidos com a causa  popular e com a transformação social que defendeu, tal como Dewey a democratização do ensino, porém, em uma concepção socialista .

Makarenko entendia que o coletivo tinha prioridade sobre o individual, portanto, o ensino só poderia acontecer em coletividade onde adisciplina tem um papel importante, não como algo condicionador, mais como em meio de se atingir os objetivos coletivos, uma disciplina assumida pelo próprio aluno, fruto de sua reflexão e conclusões.

Makarenko concebeu ao conceber um sistema onde a disciplina  não somente colabora com a consecução dos objetivos do grupo mas com o fortalecimento de cada um dos seus membros. E obtida através da reflexão do autodomínio, baseado em relação de respeito e solidariedade, e do autogoverno, cooperação visando conseguir as condições necessárias para o trabalho coletivo sem sacrifício da autonomia de cada um.

Desta forma estamos falando de uma disciplina que fortalece o indivíduo e o grupo.

Paulo Freire também vê a escola como um ato coletivo, onde os homens se educam em comunhão.

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, medializados pelo mundo . Pedagogia do  Oprimido, p. 68

Ele combate freneticamente o que chama de “ prática bancária” e que classifica  como uma espécie de anestesia que inibe o poder criador do educando. Freire propõe  uma educação problematizadora, que é reflexiva, provocada pela inserção crítica na realidade.

A educação é a prática da liberdade onde o educando se sente desafiado pelo desconhecido e emerge na realidade do cotidiano para tentar desvendá-la, faz conexões com outras situações e a compreende. Com esta compreensão ele aumenta a sua capacidade crítica para receber novos desafios.



Minha segurança se funda na convicção  de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer  o que ainda não sei . Minha segurança se alicerça  no  saber  confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente , atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho  para conhecer .

2.b.3 – Do enfrentamento à resiliência

PÃO E ROSAS

As crianças precisam de pão e rosas.

O pão do corpo, que mantém o indivíduo em boa saúde fisiológica.

O pão do espírito, a que chamas instrução, conhecimentos, conquistas técnicas, esse mínimo sem o qual se corre o risco de não conseguimos  a desejável saúde intelectual.

E as rosas também. Não pro luxo, mas por necessidade vital.

Observo meu cão. Claro, precisa de comer e de beber para não ter fome e desespero, não ficar com a língua de fora . Mas tem mais necessidade ainda duma carícia do dano, duma palavra de simpatia ou, por vezes, duma simples palavra; daquele afeto que lhe dá o sentimento do lugar que ocupa no muno em que vive e que quereria muito grande;de correr por entre as moitas ou somente de ladrar demoradamente, nas noites de luar, talvez para ouvir  ressoar a própria voz. Como se esta abalasse magnificamente o universo.

As crianças têm necessidade de pão, do pão do corpo e do pão do espírito, mas têm mais necessidade ainda do teu olhar, da tua voz, do teu pensamento e da tua promessa . Precisam de sentir que encontraram, em ti e na tua escola, aquela ressonância que lhes dá sentido e uma finalidade à  vida . Têm necessidade de falar a alguém que as escute, de escrever a alguém que as leia ou que as compreenda, de produzir alguma coisa de útil e de belo que é a expressão de tudo o que nelas trazem de generoso e de superior.

Essa nova intimidade que se estabelece pelo trabalho entre o adulto e a criança;  esse  novo grafismo aparentemente sem objeto, valorizado pela matéria ou pela cor; esse texto eternizado pela imprensa;esse  poema que é o cântico da alma; esse cântico que é como um apelo do ser para aquele afeto que nos ultrapassa; e de tudo isso que vive a criança, normalmente alimentada de pão e de conhecimentos, é tudo isso que a engrandece  e a idealiza, que lhe abre  o coração e o espírito .

A planta tem necessidade de sol e de  céu azul; o animal não degenerado pela domesticação não sebe viver sem o ar puro da liberdade . A criança de pão e rosas.

A resilência, tal como o enfrentamento, necessitam de um homem e uma mulher equilibrados, auto-suficientes, livres, com capacidade de se relacionar, de se expressar. Necessita de indivíduos fortes e seguros. Mas a resilência necessita ir além dessas características  relativas a invulnerabilidade  resultante de uma educação fortalecedora, necessita que esta invulnerabilidade não o torne insensível, ela necessita de desenvolvimento de outras capacidades ligadas a emoção e ao sentimento.
Para aprender com as dificuldades é necessário desenvolver capacidades ligadas  ao senso de humor, ao otimismo e a criatividade. Para ilustrar estas possibilidades educacionais necessitamos buscar educadores mais poéticos que associam educação e estética.

Giani Rodari foi um professor italiano da pós-querra que a creditou na educação pela fantasia, pela imaginação, pelo humor, no seu maravilhoso livro Gramática da Fantasia resume com clareza o que pensa sobre isso:

“Espero que esse pequeno livro possa ser útil a todos aqueles que acreditam no lugar de destaque que a imaginação deve ter no processo educacional, àqueles que acreditam na criatividade e que sabem o valor da liberação que a palavra pode ter. “Todos os usos da palavra para todos” parece um bom lema, sonoramente democrático. Não exatamente porque todos sejam artistas, mas porque ninguém é escravo” p. 13

Freinet (1896 - 1960 ) propõe uma escola prazerosa, onde a criança queira estar, permanecer, onde o coração, a afetividade e as emoções predomine, onde haja alegria e prazer para descobrir e aprender.

Ele vê a criança como potencialmente criativa e cheia de imaginação, e por isso capaz de inventar e criar facilmente, para dar suporte a isso ela precisa de uma educação de construção e movimento. Ele foi influenciado por Rosseau e Pestallozzi e valeu-se  dos caminhos abertos por estes para, após dois séculos, encontrar formas práticas de exercitar as teorias da Escola Ativa. Sua forma de sugerir uma metodologia que se oponha à  pedagogia opressiva dá-se através da educação do trabalho.

Mas que trabalho? É a pergunta título de um dos capítulos de seu consagrado livro “ A Educação do  Trabalho”  E nele introduz considerações sobre o jogo.

O jogo é tão natural na criança, provoca tamanha entrega de si, um entusiasmo e uma animação tão dinâmicas, que é capaz de animar superlativamente uma pedagogia que compreenda seu processo e seu verdadeiro sentido” A Educação do trabalho” , p.173

Para entender Freinet é necessário considerar que a palavra jogo é empregada em sentido amplo, compreendendo todas as atividades participativas empreendidas pelas crianças e jovens. Posto isso, a relação jogo & trabalho fica mais clara. O que a criança e o jovem necessitam é de ação, onde ele possa empregar o seu dinamismo, imaginação e criatividade. O jogo é um sucedâneo, um complemento do trabalho.

Jogo e trabalho se confundem, pois o jovem, como agente ativo, se ocupa das coisas que lhe interessa com tanta satisfação e prazer, que é difícil estabelecer limites de quando está trabalhando e quando joga.
Assim, construir a resiliência é dotar o jovem seguro, disciplinado e crítico, de atributos poéticos, racionalmente poéticos, que os tornem capazes de vislumbrarem diversas possibilidades em cada situação, dotados de humor e otimismo suficiente para encorajar atitudes persistentes e empreendedoras, enfrentando as adversidades e se fortalecendo com elas.
Nos dias de hoje valores como a criatividade e a imaginação adquirem importância e são referenciados pelo trabalho de vários autores, como Gardner, na teoria das Inteligências  que mostra  que a mente tem múltiplos componentes, e não pode ser medida de forma simplista. Desta forma a educação não pode tomar um rumo único, também simplista e unilateral. Para acompanhar a teoria de Gardner a educação deve reconhecer estas diferenças, proporcionando possibilidades para a descoberta, exercício e valorização das diversas facetas da inteligência, através de uma metodologia baseada na interdisciplinaridade, que se ocupe com valores tradicionais, sem desprezar novos saberes, como a criatividade, a imaginação, a sensibilidade artística, que estão em consonância com a ampla gama de necessidades despertadas pelo momento atual em que vivemos.

2.c – Adoção de valores éticos

Neste tópico nos encontramos em situação bem diferente do anterior, se para falar em enfrentamento e resiliência precisamos recorrer a educadores recentes e atuais, o contrário se dá para falar de valores humanos.

A ética permeia toda a vida do indivíduo, seja ele visto em relação a si mesmo, a sua própria felicidade e realização pessoal, seja em relação ao seu convívio familiar e societário.

E a preocupação com a ética cruzou épocas, justamente por lidar com valores intrínsecos, naturais e básicos aos seres humanos.

Aristóteles (384-322 ªC.) foi pesquisador e filósofo, seu interesse pela educação nos é revelado pelo fato de ter sido professor, fundado uma escola e de indicativos de um tratado “Sobre Educação”  que teria sido escrito por ele e perdido no tempo. Porém, em outras obras ao nosso alcance, como Ética a Nicômano” e “Política” podemos conhecer seus princípios educacionais.

A educação da antiguidade clássica visava uma eficiência individual, baseada no desenvolvimento integral para a convivência social, seguindo princípios rígidos e racionais estabelecidos por Sócrates e Platão. Aristóteles, seu discípulo, traz um elemento novo e poético: a busca pela felicidade, que é obtida pelo exercício da virtude, que não deve ser somente conhecida e exercitada para ser colocada em prática. A felicidade é um objetivo de sua teoria político-pedagógica.

A principal razão da felicidade são as atividades que se fazem de acordo com a virtude, enquanto as atividades contrárias são a razão principal do contrário.

Este exercício da virtude  busca a conquista da felicidade individual, porém, principalmente na felicidade coletiva. A adoção de uma conduta virtuosa é absolutamente necessária para a felicidade do homem e de sua participação política, enfim, para o sucesso do Estado.

O Estado é feliz, quando os cidadãos são felizes. Aristóteles

Para Aristóteles as virtudes são divididas da seguinte forma:

Algumas formas de virtudes são chamadas de virtudes intelectuais e outras de virtudes morais. A sabedoria e o entretenimento e a prudência são virtudes intelectuais; a generosidade e a temperança são virtudes morais. Aristóteles, p. 2002, 63

Sendo a virtude, como vimos, de dois tipos, nomeadamente, intelectual e moral, a intelectual é majoritariamente tanto produzida quanto ampliada pela instrução, exigindo, conseqüentemente, experiência e tempo, ao passo que a virtude moral é produto do hábito. Aristóteles, p. 2002, 65

Neste trecho fica claro o entendimento de Aristóteles de que as virtudes são adquiridas, e não um atributo nato. As virtudes intelectuais são geradas pela instrução e as morais, pelos hábito. Assim é possível formar o cidadão virtuoso pela instrução, exercício e treino.

As virtudes, portanto, não são geradas em nós nem através da natureza nem contra a natureza. A natureza nos confere a capacidade de recebê-las e essa capacidade é aprimorada e amadurecida pelo hábito. Aristóteles, p. 2002, 65

Não há dificuldade em buscar na história pensadores que privilegiem a educação calcada na adoção de valores como um pressuposto para uma vida sadia e em harmonia com a sociedade.

Dentre este pareceu-nos importante citar Comenius (1592 – 1670) não por tratar mais ou melhor a ética que os educadores religiosos surgidos após o cristianismo como Santo Agostinho (354 – 430), São Tomas de Aquino (1224 – 1274) e Martinho Lutero (1483 – 1546) que o precederam, mas por tratá-la dentro de uma pedagogia inovadora, multidisciplinar, democrática e baseada na experimentação. Para muitos Comenius é o precursor da Escola Ativa.

Comenius também era religioso o que se sente em sua obra de forma simples, profunda e forte. Suas principais obras foram a “Pampaedia” ou “Educação Universal” e a “Didacta Magna”.

Em Pampaedia  ele defende uma educação universal em que “todos sejam educados em tudo as coisas, totalmente”, que envolve a sua famosa tríade: todos, tudo e totalmente

O “todos” é fruto de sua visão democrática, onde todos, ricos e pobres, novos e velhos, deveriam ser educados. O “tudo” é o elemento multidisciplinar, e o “totalmente” é uma dimensão metafísica fundamentada no conhecimento e na moral.

Comenius explica a sua visão de “totalmente” que vai além do “todos sejam educados em tudo”:

Não para a pompa e brilho exterior, mas para a verdade. Ou seja, para tornar todos os homens o mais possível semelhante à imagem de Deus (segundo o qual fomos criados), isto é, verdadeiramente racionais e sábios, verdadeiramente ativos e ágeis, verdadeiramente íntegros e honestos, verdadeiramente piedosos e santos e, desse modo, verdadeiramente felizes e bem-aventurados, neste mundo e por toda a eternidade. Comenius, 1971, p.38.

Esta visão nos dá conta de que não é uma “parte” do homem que deve ser educado, mas o seu todo, corpo e alma, na busca do equilíbrio.

Que todo aquele que for formado na sabedoria, na eloqüência, nas artes, nos bons costumes e na piedade, se torne, não sabichão, mas sabedor; não falador, mas eloqüente; não fanfarrão, sempre a gabolar-se do que irá fazer neste ou naquele trabalho, mas um homem que é capaz de terminar um trabalho que empreendeu, não uma máscara de honestidade, mas a própria honestidade; não, finalmente, um simulador hipócrita da piedade, mas sim um piedoso e santo adorador de Deus em espírito e verdade”. Comenius, 1971, p. 91.


Não está longe do pensamento de Rudolf Steiner (1861 – 1925), fundador da Antroposofia, que busca analisar o conhecimento da natureza do ser humano e do universo, analogicamente ao conhecimento obtido pelo método científico convencional, e a sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana.

A Antroposofia é um caminho de conhecimento que deseja levar o espiritual da entidade humana para o espiritual do universo. Ela aparece no ser humano como uma necessidade do coração e do sentimento. Deve encontrar sua justificativa no fato de proporcionar a satisfação dessa necessidade. A Antroposofia só pode ser reconhecida por aqueles que nela encontram o que buscam a partir de sua sensibilidade. Portanto, somente podem ser antroposófos pessoas que sentem como uma necessidade de vida certas perguntar sobre a essência humana e do universo, assim como sentem fome e sede. Rudolf Steiner,

Pestallozzi (1746 – 1826) foi discípulo de Rousseau e como ele, via a educação para formar espíritos livres, preparados através de ações, calcadas na moral advindas de suas próprias experiências, procedidas de “dentro para fora”

 Assim foi, eu despertava os sentimentos das virtudes antes que se fizesse discursos sobre elas, pois considerava prejudicial tratar alguma coisa com crianças enquanto elas não soubessem do que falavam. Além disso, ligava esse sentimentos a exercícios de auto-domínio, para lhes dar imediata aplicação na conduta da vida.[3][3]

Pestallozzi apresentava uma forma pietista de ver a religião, isto é a forma mais simples em oposição as formas institucionais das igrejas. A religião estaria longe das complicações de moral cristã, que se traduz em fraternidade e amor ao próximo. Assim manifesta-se M A. Jullien em “Sistema de educação de Pestalozzi” que relata sua vivência no Instituto de Iverdon:

Naquele estabelecimento, a religião e a moral não aparecem embebidas exclusivamente nas instruções e nos discursos, nem nas formas e cerimônias, mas principalmente no exemplo, nas ações e no fundo dos costumes e da vida diária, em uma palavra, nos sentimentos e no coração. Faz-se ali o bem por instinto, por necessidade, para se gozar a íntima satisfação de fazê-lo, para manifestar reconhecimento e afeto e afeti ai chefe do estabelecimento e aos educadores e, sobretudo para contribuir para o bem do próximo, mas jamais com o objetivo de obter recompensas ou evitar castigos.[4][4]

O que nos ensinam estes educadores é, em primeiro lugar, que a adoção de uma conduta ética é um pressuposto da felicidade. E que esta atitude pode ser adquirida e desenvolvida.

A educação para uma conduta ética deve levar cada um a construirsua escala de valores próprios. Usando o seu livre arbítrio, suas tendências e convicções.

Os jovens devem ser requisitados para a reflexão sobre valores, mediante suas próprias experiências e discussões com os demais.

A escola ou a organização social educacional deve propiciar um ambiente salutável e oferecer estes espaços para discussão e uma conduta de exemplos capaz de frutificar atitudes verdadeiras, consciente onde prevalece o respeito e o amor.

À medida que o jovem amadurece o reflexo que estes valores têm no seu cotidiano apresenta maior complexidade e o espaço educacional deve acompanhá-lo, amadurecendo proporcionalmente a abordagem. Estas discussões serão tão mais frutíferas e capazes de orientar o jovem quanto mais ele tiver compreendido, aceitado e discutido os valores básicos, vai daí a importância de um trabalho constante e progressivo voltado à ética.

A adoção de um código de valores próprios é um bom começo, mas não encerra a questão, é necessário aprender a conviver com eles e constantemente estar reavaliando o seu entendimento, sua adesão e o compromisso.

Engana-se quem acha que, por serem tão sérias, a adoção de valores não pode ser oferecida de forma leve e descontraída. As atividades práticas, como jogos, oficinas, representações, trabalho em grupo, de caráter lúdico e participativo são excelentes instrumentos para o trabalho com valores, o convívio com a ética, com a cooperação, com o fracasso e com o sucesso. Os valores, por serem abstratos, não são fáceis de serem abordados, mas encontramos excelente aliado nas histórias, elas materializam estes valores abstratos e fazem com que os jovens possam raciocinar sobre eles, fazendo assimilações e tomadas posturas que serão úteis em situações análogas da vida real.

A educação para valores é, em última análise, pressuposto fundamental para qualquer forma, conteúdo ou meio de educação. Pois atinge tanto a essência de cada ser como os desígnios da humanidade.

A educação e a formação do menino, menina e adolescentes, baseadas no desenvolvimento e potencialização de valores, garantem que no futuro sejam pessoas maduras, ativas e integradas na sociedade. Este processo culminará com o momento que os povos do mundo vivam com uma base de um conjunto de valores universais que podem se comunicar sem barreiras políticas e culturais.

Este trecho extraído do programa livro faz parte do programa Vivendo Valores na Educação, promovido pela Brahma Kumaris. De caráter internacional é uma das respostas ao apelo lançado pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, no relatório para a UNESCO: Educação, um tesouro a descobrir:

Ao confrontar-se com os muitos desafios que o futuro guarda em estoque, a humanidade vê a educação um recurso indispensável na tentativa de atingir os ideais de paz, liberdade e justiça social. A comissão não vê a educação como uma cura milagrosa ou uma fórmula mágica abrindo as portas para um mundo onde estes idéias sejam atingidos, mas como um dos principais meios disponíveis para promover uma forma mais profunda e mais harmoniosa do desenvolvimento humano, e por meio disso reduzir a pobreza, exclusão, ignorância, opressão e guerra.

Vania D´Angela Dohme

[5][1] TEIXEIRA, Anísio. Variações sobre o tema da liberdade humana. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.29, n.69, jan./mar. 1958. p.3-18.

[6][2] DEWEY, in TEIXEIRA, Anísio. Bases da teoria lógica de Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.23, n.57, jan./mar. 1955. p.3-27. BASES DA TEORIA LÓGlCA DE DEWEY

[7][3] Pestalozzi uber seine Anstalt in Stans . Weinhein und Basel, beltz Verlag, 1982
[8][4] Jullien, Max. Sistema de educatión de Pestalozzi. Madrid, Francisco Beltran, 1936


[1][1] TEIXEIRA, Anísio. Variações sobre o tema da liberdade humana. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.29, n.69, jan./mar. 1958. p.3-18.

[2][2] DEWEY, in TEIXEIRA, Anísio. Bases da teoria lógica de Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.23, n.57, jan./mar. 1955. p.3-27. BASES DA TEORIA LÓGlCA DE DEWEY

[3][3] Pestalozzi uber seine Anstalt in Stans . Weinhein und Basel, beltz Verlag, 1982
[4][4] Jullien, Max. Sistema de educatión de Pestalozzi. Madrid, Francisco Beltran, 1936

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