O Brasil não cumpre o preceito
constitucional de assegurar educação de qualidade a todos os jovens e crianças.
Comparativamente com as necessidades do País e levando em conta a dívida
histórica que temos, principalmente com a população mais pobre, ainda estamos
longe de afirmar que estamos bem.
Não poderíamos aceitar que metade
das nossas crianças do terceiro ano do ensino fundamental não esteja
alfabetizada nem saiba fazer contas simples. No entanto, os pais e as mães
dessas crianças, quando indagados por pesquisadores, respondem que a escola de
seus filhos é nota 8, numa escala de 0 a 10. Temos aí a enorme contradição que
resulta na baixa demanda por qualidade.
Ainda falta muito para garantirmos
que todos aprendam e concluam seus estudos na idade correta. Somente se
pusermos a educação no centro das políticas o Brasil terá como romper o ciclo
de pobreza e exclusão. O recente crescimento da classe média, tão festejado por
todos nós, poderá ruir mais adiante se não tomarmos a decisão de efetivamente
dar um salto na educação, que é o caminho mais poderoso e sustentável para a
promoção de justiça social, com resultados persistentes, duradouros.
Na cena mundial, países com melhor
desempenho na educação, como Finlândia, Coreia do Sul e Canadá, conduziram
políticas bem-sucedidas, cuja aplicabilidade no Brasil deve ser refletida pela
diferença de contexto social e cultural. Mas o que mais chama a atenção são
alguns fatores que eles têm em comum e deveriam inspirar a ação de todos nós,
brasileiros. Primeiro, decisão e coragem. Segundo, persistência.
Existe nesses países, há décadas,
a decisão institucionalizada de garantir uma educação de qualidade. É uma
decisão das autoridades por influência da sociedade, que tem a educação como um
dos seus valores principais. Consciente, alerta, a sociedade desses países
cobra, participa, atua, e as autoridades planejam, cumprem, avaliam, numa
movimentação de mão dupla. Não se trata simplesmente de uma decisão do governo
e seguida pela população. É também, e ao mesmo tempo, o anseio manifestado pela
população que leva o governo a colocar a educação como política central e
articuladora das demais, com a garantia de que seja de qualidade e com
equidade.
A partir do impulso dado pela
decisão, vem a coragem da implementação. Os responsáveis pela educação precisam
enfrentar resistências, derrubar padrões antigos, viciados, e, ao mesmo tempo,
ousar novos caminhos. Seja nos mais altos gabinetes, seja na linha de frente,
na sala de aula, os desafios de seguir adiante com uma proposta inovadora,
renovadora, exigem atitude corajosa, firme.
Essa atitude deve ter como
princípio o diálogo com a sociedade, incluindo a comunidade escolar; e como
base, um planejamento que todos conheçam e estejam preparados, e engajados,
para cumprir. São essenciais metas claras, de entendimento imediato, com
monitoramento permanente e transparente. Como não existe solução única para
melhorar a educação no Brasil, é necessário que diferentes políticas estejam
integradas em todos os níveis. E que funcionem em sintonia, de forma a apoiar o
trabalho de milhões de profissionais da educação na enorme tarefa de garantir,
a todos os alunos e plenamente, o direito à educação.
Tramita no Congresso Nacional o
novo Plano Nacional de Educação (PNE), com metas que o Brasil deverá cumprir
nos próximos dez anos - uma década sabidamente decisiva para nosso país. Além
de metas, o PNE propõe um conjunto de estratégias. Convergem para esse
documento as esperanças e os esforços de diversas instituições e de cidadãos
que nos últimos anos participaram ativamente dos debates sobre a construção do
plano. Mas de nada adiantará termos um excelente plano se não pusermos uma
enorme energia também em sua operacionalização, para que vá muito além de uma
declaração de boas intenções e se torne o documento-guia para saldarmos a nossa
dívida social e darmos dignidade e oportunidade a todos os brasileiros.
Do planejamento à prática, dos
conceitos à realização, percorre-se uma trajetória que passa necessariamente
pela rotina que disciplina e aperfeiçoa. A educação ocorre no dia a dia e se as
políticas públicas e as ações de governos e sociedade não conseguirem chegar à
sala de aula, para garantir uma educação de qualidade, todos nós fracassamos
nessa missão.
Por fim, deve-nos inspirar a
persistência com que os países que estão no topo da educação mundial conduzem
sua política educacional. Não há solução mágica e rápida, nem como promover
melhorias sustentáveis sem continuidade - em que políticas, projetos e ações
são implementados, avaliados, aperfeiçoados, num processo contínuo.
Ainda que o PNE esteja com sua
tramitação muito atrasada na Câmara dos Deputados, pois ficamos todo o ano de
2011 sem plano vigente e continuaremos assim em boa parte de 2012, suas metas e
estratégias, logo que aprovadas, devem ser assumidas com o engajamento de todos
nós. Os resultados esperados só serão possíveis se houver o compromisso de
sermos persistentes, não desistirmos diante das inúmeras dificuldades que
certamente surgirão ao longo desse imperativo percurso.
Enquanto o plano tramita, o
cotidiano das escolas e dos gestores educacionais continua. Já sabemos boa
parte do que é preciso com urgência, como melhorar a formação docente e a
carreira dos professores, definir as expectativas de aprendizagem, ter
avaliações que sejam compreendidas e utilizadas na gestão educacional e mais
tempo dos alunos na escola. A tramitação no Congresso não nos pode imobilizar,
há muito a ser feito já.
Sem decisão, coragem e
persistência dificilmente cumpriremos a missão que este início de século 21 nos
impõe.
Priscila Cruz, diretora executiva
do Movimento Todos pela Educação - O Estado de S.Paulo
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