O que é ler?

Propomos considerar que ler é compreender um texto (Solé, 1987), dar sentido ao que está escrito; interpretar o que diz um texto; descobrir-lhe o significado. É uma interação entre o pensamento ativo do leitor e o que diz o texto.

Somos mais competentes na leitura na medida em que o que interpretamos corresponde melhor ao que está escrito. Por isso, nunca se alcança a perfeição nem ao ler nem ao escrever. Vocês, por exemplo, ao lerem este texto, certamente o compreendem, mas isso não impede que fiquem aspectos obscuros, talvez nos interpretem mal em algum momento. Nenhum de nós que escreveu este texto sabe ler Einstein corretamente...nem a tantos outros!

Portanto, uma criança de três anos, diante de um texto escrito acompanhado de uma imagem – que lhe dê pistas e referências -, pode interpretar que aquilo diz...bola, se o desenho mostra uma bola. Talvez não “acerte”, mas deu uma resposta lógica e reflexiva que constitui o primeiro passo da leitura: o que nós todos fazemos, ou seja, antecipar hipóteses.

Afinal, o que uma criança faz quando se depara com o texto é, fundamentalmente, o mesmo que os adultos fazem:

1. Formular uma hipótese: imaginar o que dirá a partir de indícios ou sinais (contexto, ilustrações, tamanho e forma das palavras, etc.)

2. Comprovar hipóteses: usamos nossos conhecimentos (decifração, contexto, etc.)

3. Avançar ou recuar na leitura: se o que chamamos escrito não corresponde à idéia que tínhamos formulado, provavelmente nos deteremos, voltaremos a ler para confirmar e mudar nossa idéia, etc. Por exemplo, ao ler:

CRISTÓVÂO COLOMBO DESCOBRIU A AMRRICA EM 12 de OUTUBLO DE 1592, é possível que:

a) Tínhamos corrigido espontaneamente alguns dos quatro erros, sem nem nos darmos conta deles, porque o que esperávamos ler prevaleceu sobre o que realmente diz.

b) Tenhamos nos detido e revisado a leitura para comprovar se realmente diz o que diz, já que é inesperado.

Estes procedimentos, próprios dos que sabem ler bem, são os que devemos ensinar às crianças. Para isso, é preciso que todas as atividades de leitura os incluam e eles sejam exercitados ativamente.

Vejamos, a seguir, como organizar em aula uma sessão de leitura com o objetivo de ensinar a nossos alunos os procedimentos próprios da leitura compreensiva. Na realidade, coletamos o processo de leitura que os adultos experientes realizam como modelo de habilidades que devemos ensinar aos alunos.

NEM SEMPRE LEMOS DO MESMO MODO: A FINALIDADE E OS OBJETIVOS DA LEITURA

Ao ler, inclusive mais do que ao escrever, é fundamental estabelecer com clareza PARA QUE vamos ler. Isto é determinante na leitura.

Há formas muito diferentes de ler. Elas são distintas pelos procedimentos pertinentes a cada uma delas: modos específicos de leitura que as crianças devem ir conhecendo desde muito cedo.

A leitura depende da situação: não é a mesma coisa ler na cama do que ler numa biblioteca. Depende do tipo de texto: não se lê do mesmo modo um romance policial e um tratado de filosofia medieval. Depende, também, da intenção do leitor: divertir-se ou preparar-se para um exame, etc.

Na escola também não há uma única forma de ler: pode-se fazer um silêncio, em voz alta, em coro, para si mesmo, para um colega, para o professor, para inteirar-se de algo, para estudar, para memorizar, para ter prazer, etc.

A leitura em aula, além disso, pode ter objetivos diferentes, que convém detalhar claramente. Talvez leiamos para medir nossa rapidez ou para aprender a decifrar: nestes casos, deixaremos em segundo plano a compreensão do que foi lido.

Freqüentemente, na escola, se lê para depois responder a perguntas, para fazer um resumo, para estudar, para inteirar-se de instruções, etc.

Além disso, o modo de ler vem condicionado pelas características do tipo de texto e a finalidade de sua leitura. Como já dissemos, referindo-nos à escrita, parece útil distinguir 5 grandes modos de ler, que incluem uma série de procedimentos específicos que é recomendável distinguir na escola. Eles foram agrupados em função dos usos e objetivos principais da leitura:

1. Localização e manejo de dados (textos enumerativos);

2. Comunicação e informação geral (textos informativos);

3. Estudo (textos expositivos);

4. Prazer e literatura (textos literários);

5. Para aprender a fazer algo (textos instrucionais/prescritivos).

Existem alguns procedimentos gerais, comuns a todo tipo de leitura, que convém ensinar sempre na escola, em qualquer atividade de leitura. Mas, além disso, conforme o tipo de texto e o objetivo da leitura, utilizaremos e ensinaremos outros procedimentos mais específicos.

1. ANTECIPAR O CONTEÚDO

Os leitores experientes não começam a ler diretamente pelo princípio. Previamente o que fazem?

Aproximam-se do texto. Situam-no, dão uma olhada, olham a extensão, as ilustrações, a tipografia, etc. Isso lhes dá muita informação útil para representar o conteúdo do que lerão, isto é, para fazer uma imagem, antecipar o conteúdo. E a partir daí, elaboram um guia para leitura.

2. ATIVAR CONHECIMENTOS PRÉVIOS

Apoiamo-nos, em primeiro lugar, em nossos conhecimentos prévios sobre o conteúdo do texto. Se o texto se refere a uma notícia, devemos lembrar que as notícias informam fatos importantes; que indicam o que aconteceu, onde, quando, como e por que e que conseqüências teve. Este conhecimento da estrutura da notícia facilita a nossa leitura. A mesma coisa nos acontece em relação à estrutura típica dos contos ou da narração.

Se o texto se refere a um tema de estudo em aula, é imprescindível lembrar o que já sabemos dele, para poder estabelecer conexões com a informação que o texto traz.

Os conhecimentos prévios são ativados, também, em cada palavra que lemos:

Cristóvão Colombo, por exemplo, ativa em nós uma série de associações:

descobrir a América, genovês, Reis Católicos, caravelas, 12 de outubro, 1492, etc; pode-se esperar qualquer uma dessas palavras e bastará um indício para confirma-la. Em troca, não esperamos encontrar a seguir palavras como inventar, África, polonês, Alexandre Magno, aeroporto, 25 de dezembro ou 1945, por exemplo.

USO DO CONTEXTO E OUTROS INDICADORES

A situação em que se produz a leitura marca, também, o modo e os procedimentos para ler. Se é por prazer, sozinho, na poltrona preferida, a leitura será feita de um modo muito diferente do que estamos em aula, diante do professor, com outros colegas; como será diferente uma leitura feita na biblioteca ou no ônibus, diante de um público ou para si mesmo, em voz alta ou com leitura silenciosa, para passar o tempo ou para preparar-se para um exame.

É necessário considerarmos o contexto: num livro com formato e ilustrações próprias de um conto infantil, não esperamos encontrar notícias atuais. Se as ilustrações mostram a Chapeuzinho Vermelho, nos surpreenderia se o texto falasse do Gato de Botas ou de equações. Assim, pelo contexto, podemos prever o conteúdo, que não será igual num folheto ou num cartaz; como também será diferente conforme se trate de um jornal sério ou de uma publicação humorística, de um jornal de informação geral ou de um jornal esportivo.

O texto pode ser acompanhado de ilustrações, que trazem informações sobre o conteúdo. Pode dispor de vários indicadores tipográficos: títulos, subtítulos, quadros, tabelas, sublinhados, palavras em negrito, em itálico, etc.

O título também nos orienta a respeito do que vamos ler. Especialmente em textos expositivos ou informativos, o título de uma notícia nos serve para decidir se nos interessa lê-la ou não; numa livraria, o título do livro nos indicará se nos interessa ou não.

Por outro lado, os títulos literários oferecem pouca informação útil para antecipar seu conteúdo. A Odisséia, Dom Quixote ou O Pequeno Polegar mal informam sobre o que nos espera, a menos que os conheçamos previamente. Em literatura, recorremos a outros elementos que dão indícios: o sumário, os comentários de contracapa, as ilustrações, o tipo de edição, etc.

Em outros textos, consideramos o índice, os comentários das orelhas, da contracapa, etc que informam sobre o texto.

(Escrever e Ler; vol.1. Luis Maruny Curto; Maribel Ministral Morillo; Manuel Miralles Teixidó; ARTMED Editora)

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