A LITERATURA

A literatura é uma arte. Ela participa, com as outras formas de manifestação artística, de um esforço humano para melhor compreender a realidade que nos cerca. A arte, em geral, traduz a necessidade humana de ampliar a compreensão do mundo. Com esse intuito, o artista toma a realidade como ponto de partida e, captando seus dados essenciais, recria-a como objeto artístico, em um processo do qual participam sua sensibilidade e seu poder imaginativo. Nesse trabalho de ampliação e definição de limites, o artista se vale dos meios técnicos que são característicos de sua linguagem artística. No caso da literatura, apossa-se do amplo mundo de signos e de possibilidades combinatórias que é a língua, utilizando-o na confecção de textos que, se mantêm algum vínculo com o uso predominantemente comunicativo do dia-a-dia, extrapolam esses limites ao transformar a mensagem em algo que vale mais por si mesmo do que por aquilo que possa trazer de transformação sobre um possível referente.
Como vimos no texto de abertura deste capítulo, o uso literário da língua combina os elementos que a formam de maneira que a captação do sentido de cada um deles depende do seu relacionamento com os demais na totalidade que é o texto literário. A investigação de um texto literário é, portanto, um trabalho cuidadoso de busca de relações entre os vários elementos formadores do texto.
O estudo da literatura é, assim, um lento processo de formação do leitor de literatura - um leitor que, a cada experiência ultrapassa mais se conscientiza de que o confronto com o texto literário pode ser uma vivencia permeada pelo prazer da descoberta. É nosso objetivo, neste livro, fazer do estudo da literatura uma ampla experiência de leitura – lidando principalmente com textos nos literários, vamos descobrir os elementos e passos que permitem apreender o que esses textos nos oferecem.

A HISTÓRIA DA LITERATURA
Os estudos da história da literatura procuram investigar as transformações pelos quais passou o conceito de criação literária no decorrer do desenvolvimento da sociedade humana. Para isso analisam tanto os textos literários produzidos em cada uma das etapas históricas da humanidade como os sistemas de idéias e as relações sociais que coexistiram com esses textos. Esse trabalho procura detectar as influências mútuas entre a produção literária e o ambiente histórico em que ela se deu.
No estudo histórico da literatura, você vai lidar com conceitos como período literário, movimento literário, escola literária, estética literária ou fase literária. Há uma idéia básica por trás deles: a de que é possível agrupar obras e autores a partir de elementos similares. Dessa forma, a observação de recursos estilísticos e preferências temáticas comuns a um grupo de autores e livros mais ou menos contemporâneos entre si permite traçar os limites de um período literário.
O conceito de período literário está vinculado ao de estilo de época. O estilo de época advém de um conjunto de normas que orienta e caracteriza as manifestações culturais de um momento histórico. Esse conjunto de normas costuma atender aos padrões de gosto e às exigências ideológicas da classe social dominante, que seleciona as manifestações artísticas que terão maior projeção e muitas vezes condena ao esquecimento formas artísticas de outras camadas sociais. Observe, pois, que em qualquer período artístico coexistem diversos sistemas de normas estéticas, dentre os quais um se destaca por motivos sociais e econômicos. Esse sistema acaba por ser registrado historicamente e tomado como sinônimo de determinada época.
Além desses problemas de origem social, o estudo da história da literatura enfrenta outros. A questão do estilo individual é um deles. Como já vimos um período literário pode ser definido porque traços estilísticos comuns nos permitem agrupar autores e obras que apresentam similaridades. Entretanto, cada autor, quando escreve, faz suas próprias opções. Ultrapassando muitas vezes os limites que o estilo de época determina. Podemos até mesmo identificar uma tendência nos melhores artistas da palavra: a de transgredir os limites impostos pelo estilo de época, impregnando suas obras de novidade e personalidade. Essa característica traz muitos problemas à divisão da literatura em períodos uma vez que existem autores e obras “inclassificáveis”.
Infelizmente, o conceito de período literário pode criar equívocos, como, por exemplo, sugerir a falsa impressão de que os limites cronológicos de um período são rigorosos, e que a morte de um estilo de época e o nascimento de outro são definitivos e instantâneos. Lembre-se sempre de que cada período se insere num processo e que as datas apontadas como limites constituem mera indicação de fatos significativos das transformações literárias. O surgimento de novas idéias e ideais na arte literária tem sempre alguma relação com idéias e ideais anteriores: os estilos de época interpenetram-se. Esse processo em que um texto se alimenta de outro ou outros se chama intertextualidade e evidencia como a literatura se vale frequentemente da própria literatura para, por meio de reinterpretações, descobrir novos caminhos. O mesmo processo ocorre também nas artes plásticas, como se percebe nas figuras que abrem esse capítulo.
Essas considerações são importantes para que você se situe criticamente diante do estudo da história da literatura. O uso dos períodos literários é um recurso didático largamente difundido e apresenta algumas vantagens para a formação de uma visão geral da literatura e da sociedade que a produziu e produz. É, no entanto, um recurso que precisa ser utilizado com cuidado, a fim de evitar que a leitura de textos literários seja substituída pela leitura de textos sobre literatura. Além disso, há o risco de que generalizações acabem conduzindo a equívocos sobre autores e obras. Há, ainda, um dado muito simples que não deve ser esquecido: a literatura só pode ser saboreada por meio do prazer da leitura, que deve ser continuamente aprimorado e revitalizado.

INFANTE, Ulisses. Curso de Literatura de Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione. 2001.

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